O e-commerce brasileiro passa por um período de amadurecimento e talvez não seja mais um ambiente propício para riscos e empreendedores “aventureiros”.
Apesar de ter um grande potencial de crescimento, o setor possui gargalos que dificultam a vida das empresas, reduzem as margens e tornam fundos e investidores mais rigorosos nas análises de planos de negócios.
Passados os primeiros anos de aparente fartura, o varejo online nacional agora demanda profissionalismo, gestão eficiente e boas estratégias de Marketing. O amadorismo no digital perde espaço para players consolidados e barreiras de entrada que antes não existiam.
Os números do setor são expressivos. Em 2012, foram R$ 22,5 bilhões de faturamento, com previsão de encerrar 2013 com R$ 28 bilhões, de acordo com estudos da e-bit. Para 2014, outro salto: faturamento estimado de R$ 32 bilhões no varejo virtual. Só no último Dia dos Namorados, a previsão de faturamento era de R$ 1 bilhão.
O crescimento se dá com a gradual entrada de novos consumidores na web: de cerca de 90 milhões de brasileiros acessando a internet, apenas 42,2 milhões realizaram compras no ano passado.
Com valores tão altos, o cenário começa a ser dominado por concorrentes cada vez maiores, gerando competição por preços baixos enquanto força as lojas a investirem mais em Marketing para conquistar sua fatia do mercado.
Este cenário de baixa rentabilidade pode ter sido a causa do fechamento de grandes e-commerces, como o Carrefour, no ano passado. Uma vítima recente, a Shoes4You fechou suas portas após descobrir tardiamente que o seu modelo de negócios tornava a operação inviável.
Ainda existem oportunidades?
As oportunidades no comércio eletrônico ainda existem, mas dependem de uma análise bem mais criteriosa para descobrir nichos, categorias e tendências ainda não exploradas, ou de grandes investimentos para disputar por ganhos de escala com as grandes redes do setor.
“Olhando os números, vemos que este é um mercado que ainda cresce a dois dígitos. Ainda é um mercado muito aberto, se comparado a outros setores, como o próprio varejo tradicional. Mas tanto as lojas físicas quanto as virtuais estão em situação muito saudável com a entrada da classe C e a proliferação de produtos e serviços. O mercado eletrônico não deixou de ser atraente, mas está exigindo um nível de profissionalização muito maior de quem atua nele”, afirma Eduardo Halpern, Coordenador do IBMEC, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A consolidação de grandes players obriga todo o mercado a acompanhá-los com melhores processos de entrega, meios de pagamento, comunicação mais agressiva e preços mais baixos. Estas são barreiras que impedem a entrada de empresas despreparadas e tornam mais difícil a sobrevivência de quem está atuando online.
As pequenas e médias que não possuem estrutura e recursos para acompanhar esta movimentação terão que segmentar sua atuação. “Os pequenos e médios terão que atuar em nichos de mercado, vendendo conteúdo e produtos exclusivos para transpor a disputa por preço”, analisa Halpern.
Outra oportunidade para se diferenciar está na oferta de serviços cada vez melhores. As organizações que obtiverem maior eficiência operacional terão vantagem, mesmo que a disputa ainda se dê por preço.
“Muitas empresas podem ganhar esta briga quando oferecerem prazos mais confiáveis, por exemplo. Mas não é apenas a logística e sim agregação de serviços em geral. Isso passa por uma entrega mais confiável, maior praticidade e ambiente mais seguro. Veremos no eletrônico um movimento que já foi visto no varejo tradicional, que é a consolidação de grandes grupos para ganhar em escala. É possível que no ambiente virtual movimento semelhante ocorra, pois será muito difícil fugir da competição por preço”, complementa o Coordenador do IBMEC.
Investidores mais rigorosos
Outra mudança no cenário eletrônico nacional é que, embora ainda exista dinheiro disponível e grupos dispostos a investir, as exigências estão maiores.
Mesmo com o potencial do comércio eletrônico brasileiro, investidores e fundos parecem estar mais rigorosos e menos dispostos a aplicar seus recursos em planos de negócios que não se mostrem sustentáveis, o que também indica uma maior maturidade.
“Há muito dinheiro e muito investidor disposto a colocar recursos, mas o que falta verdadeiramente são os projetos. O frenesi que havia pode ter diminuído, mas o gargalo está na ausência de bons planos de negócio. Tem muito dinheiro disponível no mercado, mas faltam pessoas preparadas. Diria que hoje, quem possui um bom projeto, não vai encontrar dificuldades para conseguir um investidor”, argumenta Guga Stocco, Vice-Presidente de Novos Negócios do Buscapé.
O aumento no rigor durante a avaliação de propostas não seria um sinal de que o cenário é pessimista, mas apenas uma evolução do mercado para um patamar onde não basta uma boa ideia para obter financiamento.
“Mesmo com algumas dificuldades, este mercado continua muito aquecido. Faz algum tempo que os investidores estão mais rigorosos, mas não é esse o problema. Se o projeto é bom, existem muitos investidores e fundos agressivos dispostos a correr o risco”, avalia Stocco, em entrevista ao portal.
A mudança de postura é reflexo do amadurecimento neste ecossistema. As empresas de venture capital, private equity e os investidores anjo estão mais estruturados e com mais experiência no mercado nacional.
“A atuação de investidores ainda é incipiente em nosso país e eles vêm acumulando tentativas de sucesso e outras de fracasso. Conforme o mercado cresce, aumenta a concorrência e naturalmente se exige mais eficiência. Esta maior regulação é algo benéfico para quem possui bons projetos, pois força os empreendedores a terem melhores planos de negócios, entregarem mais valor para os investidores e serem profissionais mais completos. Para quem tem bons projetos, certamente não vai faltar oportunidade”, afirma Cassiano Farani, Especialista em Inovação e Sócio da 99Canvas.
Logística e mão de obra: gargalos
Dois pontos cruciais para o desenvolvimento do comércio eletrônico brasileiro são a logística e a carência de mão de obra qualificada. Os problemas estruturais ligados ao transporte de mercadorias pelo território nacional é inclusive apontado por muitos especialistas como um dos motivos que retardam a entrada de players como a Amazon no país.
De acordo com o tipo de produto comercializado, os custos de envio são bem altos e atender a algumas regiões pode se tornar inviável. Para os pequenos lojistas, a saída acaba sendo utilizar os Correios.
“Em termo de capilaridade e alcance, os Correios são ótimos. Mas se há algum problema, é difícil a comunicação e os comerciantes ficam ‘vendidos’. Como eles não têm um faturamento que justifique uma empresa de entrega, não há outro caminho”, explica Daniel Cardoso, Diretor da Universidade Buscapé Company, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Outro desafio é formar mão de obra. O número reduzido de profissionais com experiência e qualificação em todos os campos demandados para atuação na web faz com que eles sejam muito valorizados pelo mercado. Por outro lado, a maioria das empresas é obrigada a contratar pessoas sem a formação necessária e treiná-las no dia a dia.
“Uma pesquisa que fizemos com 274 lojas virtuais mostra que 55% delas contrataram em 2012. Porém, entre os novos colaboradores, 65% não atendiam às qualificações necessárias, mas mesmo assim foram contratados”, conta Cardoso.
Pensando em reduzir este gap, a Universidade Buscapé oferece cursos e treinamentos voltados para negócios digitais, com foco nas competências técnicas e também nas gerenciais. Esta falta de conhecimento impede que o e-commerce se desenvolva, pois este empreendedor não sabe como atrair um público qualificado.
“Muitos atuam no varejo virtual, mas não sabem como medir os resultados. Falta uma cultura de resultados no comércio eletrônico brasileiro”, complementa o Diretor da Universidade Buscapé.
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Legislação e cobertura: pontos a melhorar
Por ser uma atividade relativamente recente, somente agora começam a aparecer leis mais específicas que regulam o e-commerce. Os aspectos tributários também são um complicador no planejamento destes negócios.
Com entregas para todo o Brasil, uma loja virtual deve ter conhecimento sobre as especificidades fiscais de cada região. “O comércio eletrônico é uma loja. Mesmo virtual, ela obedece a uma série de regras. A legislação inclusive está mais rigorosa. Sem falar que o mercado de tecnologia cresce mais do que o número de pessoas formadas para tal”, alerta Vitor Lima, Professor da ESPM e Sócio da Branded.
Outro gargalo que pouco a pouco é superado diz respeito à cobertura da internet no país. Segundo dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, somente 45% da população têm acesso à banda larga.
“Além disso, é preciso aumentar a largura desta banda e reduzir o preço dela. Aqui chega a ser 10 vezes mais caro que nos Estados Unidos, por exemplo. Independente do país, o crescimento da oferta de banda larga é diretamente proporcional ao crescimento no número de e-consumidores. Esta mudança será baseada em três pilares: cobertura, velocidade e preço”, comenta Gerson Rolin, Diretor de Comunicação e Marketing da Câmara-e.net.
O aumento da cobertura na banda larga fixa e na móvel contribuirão para reduzir os custos de conexão e facilitarão a entrada de mais pessoas nas compras virtuais, principalmente pelo canal mobile, apontado por todos os especialistas ouvidos pelo Mundo do Marketing como o próximo grande momento do varejo digital brasileiro. O recém-lançado 4G pode ser um fator a alavancar a nova fase.
De acordo com o Ebit, em Janeiro de 2012 a participação das compras mobile no total do e-commerce era de 0,8%. Em Junho do mesmo ano, a participação passou para 1,3%. Em janeiro de 2013, o volume de transações via dispositivos móveis alcançou 2,5% do total.
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