O direito de arrependimento é um dos temas que mais provocam questionamentos entre os lojistas de e-commerce.. Afinal, a legislação não é tão clara e nem atualizada o suficiente para que os profissionais do comércio eletrônico consigam gerir as ações que decorrem dessa prática.

Diante disso, é mais do que recomendado fazer algumas considerações sobre o tema. Assim, podemos ajudar os lojistas a lidar com essa realidade tão presente no dia a dia do e-commerce.

A origem do direito de arrependimento

O direito de arrependimento está expressamente previsto no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 49, e foi reforçado pelo Decreto 7.962/2013, conhecido como Lei do E-commerce, no qual o legislador foi além e trouxe, inclusive, inovações nesse sentido. O referido artigo do CDC, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, determina:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

A primeira coisa a ser observada é a idade do CDC. Em 1990, sequer se falava em internet, muito menos se concebia qualquer noção de e-commerce no Brasil.

O que reinava àquela época, quando falamos de compra “não presente”, eram basicamente catálogos como o Hermès, por exemplo, além de empresas que utilizavam mala direta para venda de cursos e produtos à distância.

Nessas malas diretas e catálogos, eram muito comuns as produções fotográficas em que se via a foto de um produto. Entretanto, ao recebê-lo, o consumidor tinha a impressão de que outro produto havia sido comprado.

Pela impossibilidade de o consumidor ter o produto em mãos, associada às técnicas de publicidade da época e aos meios de venda à distância que existiam, veio em boa hora a legislação de defesa ao consumidor.

A relação entre o e-commerce e o direito de arrependimento

Atualmente, a concepção de venda “não presente” é aplicada ao e-commerce e é muito questionada por empresários. Afinal, é mais comum que a loja virtual tenha presença somente no ambiente digital, em uma realidade bem diferente do comércio tradicional, em que o ponto físico (a loja) é o local padrão de funcionamento.

Esse questionamento se expande, também, para a noção de que o consumidor tem o direito de arrependimento resguardado em função de não ter o produto em mãos. Ora, obviamente o legislador à época se referia à impossibilidade do consumidor conhecer as especificações e o produto em si.

A nosso ver, esse entendimento é totalmente incompatível com a internet e, menos ainda, se especificarmos o e-commerce. A rede é pura informação e os anúncios das lojas virtuais oferecem mais dados do que o consumidor poderia adquirir na loja física. Não levamos em conta, nesse caso, que é extremamente comum o próprio anúncio conter avaliações de consumidores que já adquiriram o produto.

Resta entender que, atualmente, por meio do e-commerce, o consumidor passou a ter acesso a informações muito mais abrangentes do que à época da criação e publicação do CDC, o nosso Diploma Consumerista.

Há maior transparência na seguinte ideia: os sistemas e as plataformas de lojas virtuais proporcionam experiências mais profundas aos consumidores do que uma simples visita a qualquer loja física, por mais moderna que seja. É um contrassenso atribuir caráter “não presencial” a tais vendas.

O entendimento, que parece óbvio para a maioria dos empresários do e-commerce e que, aos poucos, tem sido aceito por consumidores mais “antenados”, não é compartilhado, ao menos por enquanto, por nossa legislação.

A compra efetuada no e-commerce ainda é considerada “não presente” e, por isso, está sujeita ao direito de arrependimento do consumidor. Essa compreensão foi confirmada recentemente através do Decreto 7.962/2013 que, em seu artigo 5º, além de confirmar irrestritamente o direito de arrependimento, trouxe uma nova regulamentação da qual destacamos as principais exigências:

  1. O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. Em outras palavras, deve estar disponível no site a opção de acionar o direito de arrependimento de forma online, na própria loja;
  2. O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor, o que inclui frete (ida e volta) e eventuais despesas financeiras;
  3. Será comunicado imediatamente o exercício do direito de arrependimento pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que a transação não seja lançada na fatura do consumidor. Em outras palavras, que seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado;
  4. A loja deve enviar a confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento ao consumidor.

Diante dessa realidade, é inquestionável a necessidade de adequação da rotina administrativa de uma loja virtual a essa legislação e, mais do que isso, a constante atuação no sentido de diminuir ao máximo as devoluções e estornos aos quais estão sujeitos os e-commerces.

Dicas para agir quando o direito de arrependimento for exercido pelo consumidor

A seguir, 5 dicas importantes de como se preparar para os casos em que o consumidor queira exercer seu direito de arrependimento:

  1. Facilite ao máximo o processo: quanto mais a loja burocratizar o procedimento, mais oneroso pode se tornar o problema;
  2. Atente-se ao que se exige dos consumidores: o produto deve ser devolvido novo, porém, não se pode pedir que a caixa não tenha sido aberta;
  3. Filme o recebimento e a abertura da caixa do produto: ao receber a devolução, recomenda-se a filmagem do momento de recebimento e abertura do pacote, mostrando a caixa, a etiqueta de postagem e a abertura. Esse vídeo costuma ser útil em caso de ações e reclamações no Procon e Juizados;
  4. Informe ao consumidor sobre o estorno: assim que receber o produto e conferir seu estado, avise ao cliente por e-mail que o estorno no cartão já foi solicitado (anexamos o comprovante de solicitação do estorno no e-mail). Caso o estorno seja em dinheiro, é preferível o depósito em conta corrente, em nome do cliente, e o comprovante de depósito é encaminhado em seguida. Evite gerar crédito para compra, salvo por solicitação expressa do consumidor;
  5. Destaque o procedimento de devolução, em caso de arrependimento, nos termos e condições do site: embora seja obrigatório por lei, a informação é agradável e aumenta a sensação de segurança do cliente.

Enquanto a lei ainda não se adequa à realidade do comércio eletrônico, cabe aos lojistas ajustarem suas operações e seu caixa para suportar o direito de arrependimento dos clientes.

É fundamental proporcionar uma experiência de compra que torne a decisão do consumidor mais segura. Portanto, quanto mais informações sobre as ofertas forem divulgadas, menos surpresas o cliente terá após a compra e o recebimento do produto.

Publicado anteriormente no Blog Vtex.

Author

Angelo Braga é advogado, especialista em Direito Digital pela FGV, pós-graduado em Direito Digital e Compliance pela Damasio Esucacional. CEO do Ejuiz.com. Tribunal Arbitral do E-commerce, Presidente da Comissão de Informatica e novas Tecnologias da 94ª subsecção da OAB/SP. Moderador do grupo de Advogados do E-Commerce e professor no curso E-commerce Professional da Impacta Treinamentos.

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