Ao ser comprado pelo gigante de mídia sul-africano Naspers, em 2009, o Buscapé traçou uma estratégia ousada. Queria se tornar uma plataforma abrangente de ideias e tecnologias para a web. Com um apetite comparável ao do gigante Google, promoveu uma onda de aquisições – até 2013, foram nada menos que 18.
A empresa acreditava que era preciso buscar ideias inovadoras fora de casa. Mas, diante de uma mudança estratégica na Naspers e da falta de resultados de algumas compras, pôs o pé no freio. O ano de 2014 foi de “faxina” geral no portfólio.
Ao analisar sua inchada estrutura, o Buscapé percebeu que havia muito o que cortar, começando pela profusão de cargos de chefias. Entre 2013 e 2014, 11 vice-presidências foram eliminadas e dois dos cofundadores da empresa deixaram o negócio.
Quatro operações fecharam: o Brandsclub, que se vendia como o maior outlet de luxo do País; a Shopcliq, plataforma para as pessoas publicarem fotos de produtos desejados; a Recomind, de recomendações de prestadores de serviços; e a Urbanizo, ferramenta de pesquisa imobiliária (que segue em operação, mas fora do Buscapé).
O corte atingiu 370 funcionários, sendo 300 só na Brandsclub. Uma visita à empresa dá um panorama da profundidade do enxugamento: dos quatro andares que a companhia ocupa em um edifício na Avenida Paulista, um está completamente vazio, com as luzes apagadas.
As transformações têm relação com o momento atual da Naspers. Avaliada em US$ 53 bilhões e dona de mais de 30 empresas de internet e 12 de TV a cabo e mídia impressa, o grupo decidiu mudar de tática. A companhia resolveu agrupar operações de setores semelhantes em linhas de negócio. Isso retirou boa parte da autonomia que o Buscapé desfrutava, reduzindo sua influência à área de comparação de preços.
Outra marca forte da Naspers, a OLX, ficou com os classificados, enquanto a polonesa PayU passou a comandar meios de pagamento.
Cofundador que permaneceu no Buscapé mesmo depois da mudança de direcionamento, Romero Rodrigues admite que o negócio vive uma nova era.
“Do jeito que a gente estava gerindo a empresa, ela era desenhada para crescimento, crescimento e crescimento. Era um número cada vez maior de empresas, um maior número de segmentos e tudo isso debaixo de um grande guarda-chuva.”
O processo de cortes trouxe avanços importantes, segundo Rodrigues. No último trimestre de 2013, o caixa do Buscapé estava zerado. Hoje, ele diz, todas as operações dão lucro (a empresa não divulga números, pois tem o capital fechado).
Os maiores geradores de receita são Buscapé, Bondfaro, Bcash e Lomadee. Com exceção do Bcash, que foi separado do grupo, todos têm vínculos com o negócio de comparação de preços.
Especialistas em e-commerce veem a reorganização do Buscapé como um sinal de que o mercado caminha para a racionalidade. “Assim como o Buscapé foi o pioneiro no e-commerce brasileiro, um dos primeiros a viver a fase de receber muito dinheiro de fora, ele é um dos primeiros a se reorganizar”, diz Cláudio Oliveira, professor de gestão de negócios da ESPM e pesquisador de Media Lab.
‘Inchaço’
Fontes ouvidas pelo jornal O Estado de S. Paulo dizem que o enxugamento promovido pela Naspers serviu para endereçar problemas específicos do Brasil. Ao estender sua atuação, o Buscapé ganhou estrutura digna de multinacional: em 2012, eram nada menos que 14 vice-presidências para sete áreas de negócios diferentes e sete de serviços.
A empresa queria fazer de tudo: comparar preços, processar pagamentos, gerenciar toda uma operação de e-commerce, mas não dava conta de tantas tarefas ao mesmo tempo.
“O Buscapé saiu de uma estrutura de startup, em que o dono é quem toma todas as decisões, para um caminho mais profissional. Ao entrar um corpo mais maduro (de executivos), ocorreu um conflito de gerações”, disse um ex-executivo da companhia.
Com a Naspers pressionando por resultados, o clima não era dos melhores. Um executivo conta que a brusca virada de propósito do negócio o fez pedir demissão.
Outro ex-funcionário disse que a perspectiva de um retorno abaixo do esperado para quem tinha opções (direito de compra de ação) também contribuiu para a frustração da equipe. Rodrigues, no entanto, nega que a empresa tenha perdido valor e diz que ela está avaliada hoje em mais de US$ 1 bilhão.
Até projetos consagrados do Buscapé entraram na berlinda, tendo a eficácia questionada. O concurso “Sua Ideia Vale Um Milhão“, em que startups recebiam investimento de R$ 300 mil do Buscapé, está “congelado”.
Duas das empresas fechadas no processo de enxugamento haviam saído desse programa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.