Ecossistemas imaturos, perspectivas de crescimento, problemas a serem resolvidos com soluções tecnológicas, mão de obra qualificada e talento estão entre os fatores que fazem da América Latina um lugar atrativo para os empreendedores de tecnologia do Velho Mundo.
“Mercado em constante crescimento”. “Oportunidades”. “Perspectivas para crescer”. “Ecossistemas em desenvolvimento”. As frases são reiteradas quando as startups europeias são solicitadas a explicar por que estão cada vez mais olhando para a América Latina.
Um exemplo desse compromisso com a região é fornecido pela francesa Teads TV, uma plataforma global que fornece soluções tecnológicas para mídia em todo o mundo. Eric Tourtel, vice-presidente sênior da região, alerta que “pode ser que a América Latina seja atualmente uma das menores regiões do mundo, mas é de longe a região que mais cresce”.
A Teads TV é conhecida pelo formato de publicidade em vídeo outstream, popularizado como inRead, que coloca anúncios em vídeo dentro do conteúdo editorial de uma publicação digital que é ativada apenas quando está à vista e dá aos usuários a opção de pular o vídeo.
A Tourtel fornece dados concretos sobre sua aposta na América Latina: “A demanda por vídeo de publicidade digital visível continua aumentando na região e, como previsto pela empresa de pesquisa eMarketer, o investimento em publicidade digital na América Latina chegará a 13 bilhões dólares em 2019, em comparação com 10 bilhões de dólares em 2017 e cerca de 8.000 milhões de dólares que foram investidos em 2016 “, disse ele em um artigo publicado no site da Teads na Internet.
A Teads foi fundada em 2011 e tem mais de 450 funcionários; 100 dos quais pertencem ao Departamento de Inovação e Desenvolvimento, através de 27 escritórios em 21 países.
O que eles enxergam quando nos vêem?
O compromisso com a América Latina que atravessa startups europeias tem como denominador comum, entre outras coisas, que a região oferece um ecossistema imaturo em muitos aspectos, mas é por isso que se visualiza que “tudo deve ser feito”, segundo a TI de um acelerador local.
“A América Latina é uma terra de grandes oportunidades, pelo menos para investimentos em ‘startups’, que cresceram fortemente nos últimos anos”, diz um relatório do BBVA, que também explica algumas das causas: “A grande A atratividade de uma população cada vez mais conectada à Internet aumenta o potencial de crescimento econômico na região e é reforçada pela ascensão de um grande número de empreendedores, ávidos por recursos para fazer suas ideias florescerem”.
O trabalho da entidade de crédito, com forte presença na região, cita números da Associação Latino-Americana de Private Equity e Private Equity (LAVCA), que indicam que em 2017 mais de 1,1 bilhão de dólares de capital de risco desembarcaram na área, mais o dobro do que havia acumulado um ano antes.
Um problema, uma oportunidade
A essência das startups, que está conectada a um princípio fundador do espírito empreendedor, é que antes de vender este ou aquele produto, o que você tem que se perguntar é qual problema pode ser resolvido com esse desenvolvimento.
Neste contexto, a América Latina, devido à sua particular história de instabilidade econômica e fraqueza institucional, mostra em essência sociedades problemáticas e desafiadoras para incubadoras em busca de lidar com problemas que ninguém abordou antes com determinação.
Se é uma questão de problemas, basta se colocar no lugar de alguém que está procurando um ingresso para assistir ao show de sua banda favorita para saber como é a sensação.
Filas sem fim, aparentemente intermináveis quando você ainda tem a esperança de conseguir o ingresso ao preço oficial, ou as vicissitudes de quem não tem alternativa senão ir para o “mercado negro”, quando os ingressos esgotam, com os riscos que isso acarreta para sua segurança e também para o revendedor que não integra nenhuma rede de marketing desonesta.
Por esse motivo, as plataformas de troca de ingressos entre os usuários revolucionaram a revenda na Internet, como um dos derivados do fenômeno mais geral de substituir a venda oficial de ingressos na janela por meio de transações on-line.
A StubHub, nascida em Madri como Ticketbis e renomada após ter sido comprada pelo eBay, viu uma oportunidade neste panorama e é por isso que já possui estrutura própria na Argentina, México e Brasil, como parte de sua presença em mais de 40 países.
De fato, a compra da Ticketbis foi para o eBay uma possibilidade de crescer na região como uma plataforma internacional de bilhetagem digital.
Na StubHub se aspira um caminho da evolução da indústria de ingressos, para uma “plataforma digital única que disponibiliza aos fãs todos os tipos de oferta disponível, tanto primária como secundária, que está em vias de se unificar na região, como tem sido há anos nos Estados Unidos com a NFL ou a NBA “, disseram eles.
Andrés San José Gutiérrez, Gerente Regional Latam da StubHub, explicou que “acreditamos que esse movimento natural não demorará a chegar no Brasil. Sem dúvida, já ocorre no México ou na Espanha com festivais de música, onde a StubHub chegou a acordos tanto como plataforma oficial para compra de ingressos, como para revenda, com oferta dos mais variados e sempre disponíveis para os torcedores e com bilhetes 100% seguras”.
Espanha coloca todas as suas fichas
Lingokids, o serviço interativo de aprendizado de inglês que, através de um aplicativo, ensina a linguagem para crianças através de atividades, vídeos, jogos e músicas, também tem origem europeia, especificamente em Madri, na Espanha. Está em 180 países e desembarcou no Brasil e em todas as Américas no ano passado, planejando aprofundar sua presença na América Latina em 2019.
O Lingokids é um exemplo claro de um compromisso estratégico com a região.
“A América Latina é um mercado estratégico para Lingokids pelas suas características socioculturais. Uma parte significativa dos países latino-americanos têm grande influência dos Estados Unidos, devido à sua proximidade, como o México e alguns países da América Central, mas grande parte da sua população sofre de falta de mídia de qualidade e seu tempo econômico para aprender a língua.
No Brasil, em particular, isso é combinado com uma tradição muito forte de instituições de prestígio que ensinam inglês, com as quais alianças estratégicas são planejadas, mas onde problemas econômicos recentes afetaram os orçamentos de famílias para as crianças estudarem. Com o Lingokids, acreditamos que podemos reduzir o custo do acesso ao ensino de inglês de qualidade para as novas gerações de brasileiros e latino-americanos”, explicou Cristóbal Viedma, co-fundador e CEO da empresa.
Precisamente da Espanha chega uma parte significativa das startups europeias que estão instaladas na região, uma realidade que foi antecipada como uma das principais conclusões do IV Relatório sobre Internacionalização de startups realizado pela IE Business School com o apoio da Lufthansa e Casamerica.
O relatório revelou que metade das start-ups espanholas de tecnologia terá escritórios no México, Colômbia, EUA, Chile, Argentina ou Portugal nos próximos 18 meses.
O mesmo trabalho de pesquisa indica que 64% das startups espanholas de tecnologia já contratam profissionais na América Latina.
“Em relação à sua equipe, a maioria já conta com freelancers, colaboradores ou funcionários no exterior, dentro de seu processo de crescimento internacional, principalmente na Europa (78%) e na América Latina (64%)”, acrescenta.
Passo a passo
“O conceito de empreendedorismo era quase desconhecido no início dos anos noventa do século passado na maioria dos países da América Latina e do Caribe. O termo estava associado àquelas pessoas que perderam seus empregos e, enquanto encontravam outro, optou pela alternativa de criação de uma empresa de pequeno porte. Mas essa ideia foi transformada uma vez iniciado o novo milênio “, disse Susana Garcia-Robles, chefe de operações financeiras do Fundo Multilateral de Investimentos (Fumin), o grupo BID laboratório de Inovação Desenvolvimento (BID).
A especialista observa que “em meados da década de 2000, termos como inovação, investidor anjo, empresário e capital de risco gradualmente deixaram de ser considerado como conceitos elitistas e começaram a ser entendidos como conceitos imperativos para o crescimento econômico”.
A relação entre startups europeias e latino-americanas também reconhece causas que remontam a identidades culturais e tradições empresariais que, verificadas em outros segmentos mais tradicionais, se transferem no empreendedorismo.
“Um francês no Rio de Janeiro se sente como em sua casa”, admite Gutiérrez, da StubHub, que diz que seus amigos espanhóis e italianos têm a mesma percepção. “É a continuidade, sob novos formatos, de uma longa tradição de negócios europeus na região”, diz ele.
O relatório do BBVA também mostra que investir na América Latina não é um passeio. “Em relação aos principais problemas para desenvolver seus negócios na América Latina, 57% dizem que o mercado não está maduro, enquanto 24% dizem que as conexões com a Internet estão lentas. A vantagem regional é que a concorrência não é tão forte, exatamente o oposto como na Europa e nos EUA “, explica.
Um estudo do Banco Mundial também mostrou que as empresas da região tinham 20% menos probabilidade de introduzir um novo produto do que em países com renda similar na Europa e na Ásia Central.